quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Esquerda vs Direita

Esquerda / Direita

A dicotomia esquerda / direita, que nos foi apresentada pelo Prof. João Rosas, é uma dicotomia com muitos anos de existência. Porém, é com a modernidade que surge a necessidade de se fazer a distinção entre ambas, até essa época ninguém, ou poucos, sabiam o que caracterizava cada uma (esquerda vs direita).
Sabendo que esta dicotomia esquerda / direita existe há muito tempo, é necessário saber como ela surgiu, quais os critérios que as distinguem, quais as suas características e até mesmo a evolução da dicotomia durante todos estes anos. Os critérios de distinção da dicotomia, em questão, são necessários para que possamos falar de esquerda e de direita no verdadeiro sentido da palavra.
A dicotomia, à qual me refiro, não está presente apenas a nível político mas também de uma forma mais concreta. Esta dicotomia está presente em muitos momentos do nosso dia-a-dia: no código da estrada (o condutor que surge pela direita tem sempre prioridade), na religião (Cristo está sentada à direita do Pai), a nível profissional (existe sempre um braço direito), entre outros, no fundo está presente em todas as áreas da nossa vida. Estar à direita ou ficar à direita é sempre visto com melhores olhos do que estar à esquerda. Verificamos por isso que a direita é mais valorizada em relação à esquerda e cada vez mais a dicotomia ganha valor.
A dicotomia tem a sua origem histórica na Assembleia Nacional Constituinte que decorreu em França no ano de 1789. A ANC surge por impulso dos povos (Estados gerais) para que cada Estado possua a sua ANC. A ANC é uma assembleia através da qual os povos elaboram a constituição do seu Estado e todas as pessoas desse Estado estão sujeitas a ela. Assim, onde existe uma constituição encontra-se a dicotomia, porque as pessoas que constituem o Estado dividem-se em duas partes: uma parte dá mais valor a uma hierarquia de diferenciação (direita) e outra parte dá mais valor a uma hierarquia igualitária (esquerda). Trata-se, então, de uma dicotomia social, política, económica.
A direita rege-se por princípios monárquicos, católicos, tradicionalistas e contra-revolucionários. Com a direita existe uma valorização da família, da autoridade e da religião. A direita tradicional e conservadora sofre uma ruptura quando se elaboram políticas revolucionárias, tecnológicas e económicas, com isto pretende-se uma modernização com base nos termos anti capitalista, antiliberal, anti conservadora e é assim que surge a Direita revolucionária. A Direita, em geral, é constituída por movimentos de cariz conservador – autoritário e não revolucionário. Com a Direita existe a valorização de um princípio que é o da desigualdade, o direito à diferença. Pode-se caracterizar a Direita como sendo possuidora de um pessimismo antropológico – os homens não são naturalmente bondosos, mas sim maus – este pessimismo antropológico poder – se – ia reger por uma frase: “o homem é o lobo do homem”, no entanto acaba por se superar esta característica ao se participar dos valores colectivos.
Outra característica é o anti – utopismo, os de direita não acreditam na possibilidade de existir uma sociedade perfeita, trata-se de uma ideia que garante a perenidade da História. A História não é mais do que um ciclo.
A direita proclama como sua característica o direito à diferença, todos são diferentes. Possui a característica da propriedade e anti – economicismo, não aceita a redução dos fenómenos políticos aos económicos. Os de direita são defensores do racionalismo, como sendo um valor essencial no tempo e espaço.
Os de direita caracterizam-se, ainda, por um organicismo, isto é, o homem esta em ligação com a sociedade devido a uma teia orgânica de ideias com origem na história, costumes, convivência e por elitismo.
O partido da direita é, em suma, um partido que supõe a existência de desigualdades como sendo fundamentais para a sociedade. Não se deve tentar igualizar as pessoas, tal como a esquerda pretende, a sociedade para os de direita é constituída por desigualdades e por isso defendem uma sociedade de hierarquia tradicional.
De referir, que os de direita são encarados como os conservatórios, logo tendem a preservar a tradição e têm sempre o receio de quebrar com a tradição.
Quando falamos nos da esquerda os factos alteram – se, estes desejam uma sociedade perfeita onde todos são iguais. As sociedades deviam se iniciar como tábuas rasas, desta forma, a construção era feita de forma igualitária, com liberdade e felicidade. Possuem uma grande ambição.
A esquerda possui dez características: Optimismo Antropológico – o homem é um ser naturalmente bom possuidor de paz e felicidade, no entanto alienado devido às sociedades históricas; o Utopismo – a ideia de que o homem voltará a ser feliz e a ter paz, busca-se uma sociedade idealmente perfeita e justa; o Linearismo evolutivo – consiste num desenvolvimento contínuo e linear da sociedade, com vista no alcance de grandes triunfos; Igualitarismo – a ideia de igualdade a todos os níveis entre os homens; o Economicismo – o poder político não deve ser o governo das pessoas mas sim o dos bens; o Socialismo – não é um atributo só da esquerda, mas sim a ideia de uma sociedade comunista integralmente planificada, é um controlo do mercado pela planificação pública; o Internacionalismo – no mundo não deveriam existir fronteiras ainda que na teoria se mantenham, busca no fundo as quatro liberdades fundamentais a nível mundial; o Democratismo – defesa da determinação de ideias por uma maioria que se revela como um critério de verdade e por fim o humanismo que consiste na ajuda entre os povos.
O autor Marx é um grande defensor das ideias de esquerda. É após a revolta da Hungria (1956) que a frente da Esquerda volta a ter o seu valor, durante a descolonização e a Guerra do Vietname.
A esquerda, assim como a direita, identifica-se com o conservadorismo e com o liberalismo, cuja ideia fundamental é a liberdade individual como autodeterminação do indivíduo, favoráveis ao mercado livre. A esquerda tende a facilitar a vida das pessoas.
No entanto, esta dicotomia sofre uma alteração com o aparecimento do socialismo, que empurra o liberalismo para o centro e é a união de algumas ideias da esquerda e da direita.
A existência dos três “ partidos” possibilita a alternância de poder e de sabermos qual o partido que melhor defenderá os nossos interesses, o nosso país.
O Socialismo é um encontro de características liberais e conservadoras. Realiza uma crítica aos sistemas políticos que advém da desigualdade de organização. Pressupõe uma injustiça dos regimes como sendo uma realidade social - histórica passível de ser modificada, aceita a ideia de se criar um sistema social que procura a igualdade social que se realiza através da actuação de várias instituições sociais. No socialismo a distinção das classes deve-se realizar a partir do trabalho.
Para Saint - Simon, pensador socialista, o acto de governar é um acto sempre racional e que só através do bom uso da razão é que pode ser exercido.
O Socialismo tem como ideia os problemas sociais das classes trabalhadoras devido ao mercado livre. O Estado no que intervir acabará por destruir o que foi construído.
Possibilitar uma igualdade de distribuição dos bens. Com o Socialismo é necessário uma reforma da ordem social, esta reforma deve acontecer para se conseguir superar os males que existem na sociedade e é necessário criar uma estabilidade na sociedade, entre os indivíduos. O Socialismo acaba por aparecer como a união das características da esquerda e da direita. Com o seu aparecimento a esquerda e a direita tentam se sobressair e mostrar as suas vantagens em contrasenso com o socialismo.
Tal como existem ideologias a defender as suas ideias também existem ideologias que estão no exterior do espectro constitucional, isto porque não aceitam a democracia representativa. A par das ideologias existem as anti-ideologias que são formas extremistas quer da esquerda (ex: comunismo) quer da direita (conservadorismo autoritário – ex: salazarismo).
O Comunismo e o Conservadorismo autoritário são anti-ideologias, anti-democráticas que levam as ideias da esquerda e da direita ao extremo.
A esquerda tem perante muitas sociedades uma posição negativista, trata-se de um partido sinistro. O que a esquerda pretende, se calhar, é uma utopia, mas a verdade é que tem uma ambição que atrai muitos. A esquerda deseja a existência de uma sociedade de igualdade, a qual nunca virá a existir, o que poderá acontecer é uma aproximação a essa vontade/desejo. A esquerda visa quebrar a tradição mesmo sabendo que corre riscos.
Como referi anteriormente, a direita é o partido que possui melhor reputação nas sociedades. O que me parece contra neste partido é o facto de a direita valorizar a desigualdade entre os homens. Esta desigualdade poderá acarretar conflitos sociais.
A verdade é que sendo a esquerda melhor ou pior que a direita, ambas precisam uma da outra para poderem demonstrar que o seu partido é o melhor. Poderíamos dizer, por isso, que o melhor é a junção das duas.
As discussões surgem para se discutir quem deve deter o poder porque temos oportunidade de escolha, os partidos lutam entre si para conseguir o maior número de apoiantes. Esta diversidade de partidos é que permite a existência do factor mudança.
Podendo a esquerda ter melhores condições que a direita, certo é que a direita é tida como o melhor lado para se estar, há muitos anos. Daí que, devido a essa crença, as pessoas consideram a direita sempre, ou quase sempre, melhor que a esquerda.

A questão que eu coloco é:
Como ter a certeza de qual o lado mais benéfico na nossa vida?

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O Sagrado

Rudolt Otto


Rudolf Otto, nasceu a 25 de Setembro de 1869 e veio a falecer em 6 de Março de1937. Foi eminente teólogo, protestante alemão e erudito em religiões comparadas. Autor do livro: The Idea of the holy, publicado pela primeira vez em 1917 como Das Heilige (considerado um dos mais importantes tratados teológicos em língua alemã do século XX). Otto é criador do termo numinous, este termo exprime um importante conceito religioso da actualidade.
Na sua obra “O Sagrado”, publicada em 1917, Rudof Otto analisa a realidade apriorista do Numinoso, ou sagrado através dos elementos racionais e irracionais, cujos principais aspectos são descritos nas categorias do Mytetium Tremendum como Tremendum (arrepiante), Majestas (avassalador), Mysterium (o totalmente outro). O Numinoso é “fascinante” e “assombroso” a um só tempo.
A tese central do autor é a ideia do sagrado compreendido como algo divino.

O irracional no Sagrado (Numinoso)
O autor cria o Numinoso, derivado do termo latino numen, que significa deidade ou influxo divino. O elemento Numinoso pode ser identificado como um princípio activo presente na totalidade das religiões como portador da ideia do bem absoluto. Quando ele se refere ao “Numinoso esclarece que é uma categoria especial de interpretação, de avaliação, e da mesma maneira, de um estado de alma Numinoso que se manifesta quando esta se concebe como Numinoso” (Rudolf Otto, pag.15). Desta forma o Numinoso caracteriza – se como algo sui generis, não passivo.
A presença do numen desencadeia um estado de alma, uma reacção consciente que pode ser objecto de análises psicológicas ou fenomenológicas.
Os elementos que compõem a parte irracional do sagrado são descritos pelo autor a partir da reacção sentimental que vemos diante do objecto Numinoso, uma vez que este, pertence ao plano da experiência vivida na religião.
O numen, do divino, provoca uma reacção emocional denominada de estado da criatura ou sentimento do ser criatura. Neste momento estamos perante o mysterium tremendum, que é conjunto de sentimentos que correspondem à apreensão do numinoso. O elemento mysterium é a forma e conteúdo qualitativo é o tremendum pois provoca medo.
O mysterium, constitui o elemento primário e o sentimento de ser criatura é secundário. O mysterium gera três sentimentos: 1º o mysterium tremendum (causa calafrio) é muitas vezes descrito nos textos da bíblia, 2º mysterium (poder da majesta da divina), é a manifestação de Deus vivo na experiência religiosa, representa o ser superior, 3º energia do Numinoso (a orgê ou orgé), manifesta – se principalmente no misticismo e no amor. “O amor diz o místico não é mais do que uma cólera extinta”(Rudolf Otto, pag. 35). Sendo assim, o amor caracteriza – se como energia impetuosa de experiência religiosa, o qual provoca na alma um estado de excitação. Estes três elementos formam a qualidade positiva do objecto Numinoso, encontram – se num plano exterior a nós.

Rudolf Otto centra – se na concepção do sagrado como uma categoria a priori, de base Kantiana. Kant afirma que todo o conhecimento tem lugar no início da experiência, mas, para Rudolf Otto a fonte do conhecimento só existe na alma.

O Racional no Sagrado
O racional é algo que permite a compreensão directa do pensamento conceitual para se poder descrever as divindades, de modo a tornar- las claras e acessíveis ao entendimento comum. É aqui que entra o predicado racional, o atributo que convém como apoio, mas que seguramente não esgota o sentido maior do sagrado. Desta forma o elemento racional, o predicado, estabelece a ligação com o irracional.
No decorrer evolutivo da história das religiões foi acontecendo uma espécie de conexão entre os elementos do sagrado. O tremedum, elemento repulsivo, corresponde por meio dos conceitos racionais da vontade geral e de justiça da cólera divina. O elemento mirum, passa pela transformação no absurdo, o muirum é predicado racional das divindades ao mesmo tempo que é a reflexão sobre o absoluto ligado ao conceito de Deus.
A religião não é nem puro misticismo nem puro realismo, o sentimento religioso interage com a razão, como por exemplo na forma da língua conceitual que é empregada para exprimir a vivência, mesmo que não alcance a totalidade do objecto. O sublime caracteriza – se como uma categoria não passível de análise. Otto afirma que o sublime é o esquema do sagrado, pois a noção racional esquematiza o Numinoso irracional, partindo de uma necessidade externa e agindo no interno a priori, transcendental. No entanto, o estado da alma que a música proporciona, a forma como ela comove, não pode ser expressa por conceitos, mas interpretados por meio de analogias.
O Numinoso também tem expressão do Numinoso na arte é na arquitectura, fundamentada no estilo Gótico.

Os elementos do Numinoso
Um dos elementos do Numinoso é sentimento do estado de criatura «ou a reacção provocada na consciência pelo sentimento do Numinoso».
No Cristianismo podemos encontrar sentimentos que noutros estados se manifestam com menos intensidade, como por exemplo: sentimentos de confiança, de amor e de segurança. Mas estes sentimentos não esgotam a piedade e não traduzem ainda a solenidade, tal como aparece na vida religiosa.
Segundo Schleiermacher, o sentimento não é a sensação de dependência no sentido natural da palavra. Efectivamente ele distingue o sentimento de dependência religiosa de todos os outros sentimentos. O primeiro é absoluto e o segundo é crer no verdadeiro sentimento religioso por intermédio do sentimento de dependência. Desse modo o sentimento religioso seria, então, um sentimento de si próprio, contrariamente o sentimento de estado de criatura seria apenas um elemento subjectivo concomitante.
William James tomando como partido o empirismo e o pragmatismo é incapaz de reconhecer que existem no espírito deposições cognitivas e princípios geradores de ideias.

«Não temos de examinar aqui a questão da origem dos Deuses da mitologia Grega, Mas de todos os exemplos que citamos parece ressaltar esta conclusão: crê-se que havia na consciência humana o sentido de uma realidade, o sentimento e a ideia de algo que existe real e objectivamente».

Segundo Rudolf Otto, o sentimento Numinoso é o estatuto ontológico. O sagrado aparece-nos antes do ético e para além do racional, definindo a essência como Numinoso.